1. INTRODUÇÃO

As bibliotecas públicas são um equipamento cultural que têm por finalidade o acesso irrestrito à informação, independentemente do tipo de suporte na qual ela se encontra e do perfil do usuário que utiliza o espaço. Para além dos livros, as bibliotecas públicas possuem quatro dimensões que devem ser encaradas como norteadoras na construção e implementação destes espaços: a dimensão social, a informacional, a educacional e a dimensão cultural. Cada uma delas deve ser contemplada através da disponibilização de informação e conhecimento à comunidade, por meio de produtos e serviços ofertados pelas bibliotecas.

O acesso à informação promove a autonomia dos sujeitos, incentiva a sua criticidade e a busca por novos conhecimentos. Desta forma, as bibliotecas colaboram para o desenvolvimento social das comunidades nas quais estão inseridas. Suaiden (2000) e Carvalho et al. (2021) apontam que, historicamente, o acesso à informação na sociedade brasileira está condicionado ao poder aquisitivo, e que as bibliotecas públicas pouco contribuíram para este acesso durante o período colonial.

Nesta época, grande parte das bibliotecas eram de posse de advogados, médicos e outros integrantes da aristocracia brasileira. Concentravam-se principalmente na região onde hoje é o estado de Minas Gerais, por conta do alto poder aquisitivo da população da região à época (Santos, 2010; Zala, 2020; Manoel, 2022). Estes acervos particulares não eram disponibilizados ao público, de forma que a visão social do livro e da leitura se atrelou ao capital: a leitura, o consumo de livros e o de literatura eram vistos como uma atividade inerente às elites. Esta visão elitizada também moldou a percepção social do livro, transformando-o em um bem a ser preservado, intocado, mantido - ao invés de ser consumido.

A partir da vinda da família real para o Brasil em 1808, juntamente com uma grande quantidade de livros, gravuras, manuscritos e mapas (Santos, 2010) houve um aumento significativo da quantidade de bibliotecas em território nacional, e a criação de bibliotecas públicas iniciou a partir da institucionalização da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Embora a proliferação de bibliotecas tenha permitido um maior acesso à informação por parte do público, Suaiden (2000) diz que durante muito tempo as bibliotecas foram vistas como espaços para eruditos, distantes da realidade social das massas. A criação destes espaços concentrou-se principalmente em meio urbano, e atualmente existem cerca de 5200 bibliotecas espalhadas pelo Brasil, em sua maioria mantidas pelo poder público municipal e estadual.

Cada biblioteca pública possui por vocação o potencial de desenvolver a sua localidade, à medida em que o cerne de suas práxis é a democratização do acesso à informação e ao conhecimento. Haja vista sua importância, faz-se necessário compreender de que forma as bibliotecas impactam no desenvolvimento de seus territórios e nos hábitos de leitura de seus cidadãos.

Esta pesquisa objetiva identificar se há alguma relação entre a quantidade de bibliotecas públicas disponíveis no território, a quantidade de livros lidos pela população e o IDH da região em questão. Desta forma, busca-se compreender como a presença de bibliotecas públicas pode contribuir para a promoção do desenvolvimento de seus territórios. Além disso, também busca correlacionar os resultados obtidos pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, no que diz respeito à parcela da população que se considera leitora.

2. REVISÃO DE LITERATURA

A conceituação geográfica de região e território é uma problemática complexa e envolve diversas visões que, por vezes, se divergem em relação às outras. Dentre as categorias geográficas de paisagem, espaço e lugar, ainda se encontram o território e a região. Para estas categorias a geografia conceitua que território é a materialização de um espaço físico, o qual a percepção humana exterioriza em uma paisagem com formações políticas, econômicas, sociais e culturais atreladas ao tempo, os fixos e fluxos, de acordo com Santos (2007).

No presente artigo, apesar da coleta de dado levar em conta espaços físicos concretos, busca-se uma concepção mais abstrata de território. Souza (1995) aponta para uma compreensão intangível sobre o conceito de território na geografia brasileira, de tal forma que não considera fronteiras físicas, espaciais e temporais, de maneira a sintetizar a ideia de descentralização do poder dentro de uma região. Desta forma, mesmo com fronteiras físicas nas macrorregiões adiante analisadas para coleta de dados, será a partir de uma linha abstrata que se compreenderá a descentralização do poder no território que abordaremos o recorte espacial da localização das bibliotecas e livros lidos per capita.

Nesse sentido, Haesbaert (1999) apresenta o conceito de região enquanto uma manifestação espacial, como um organismo vivo e em movimento que não se prende às amarras físicas; o espaço deve ser visto e sentido como uma construção humana que ultrapassa paredes, mesas, cadeiras, prateleiras e estantes em prédios frios e sem vida. Entrementes, é preciso retornar ao tangível para dimensionar o território, as regiões estudadas, notadamente com o intuito de apontar onde e quantas são as bibliotecas públicas brasileiras.

A compreensão das dimensões e significados de território faz-se fundamental para que se compreenda também como funciona a distribuição das bibliotecas públicas no Brasil, haja vista que Santos (2013, p. 45) diz que a disseminação da informação e suas formas de consumo constituem dois fatores importantes para a explicação geográfica: suas decorrências são geradoras de forças de concentração e de dispersão, dialética que define as formas de organização do espaço.

Suaiden (2000) indica que grande parte das bibliotecas públicas foram criadas por manifestações do poder público, seja ele a nível estadual, federal ou municipal. A partir de então, os diversos tipos de bibliotecas surgiram nas cidades: públicas, escolares, universitárias, jurídicas, especializadas - cada uma com a sua finalidade, seus objetivos e seu público-alvo. A mais democrática de todas é a biblioteca pública, pois seu mister é precisamente a satisfação das necessidades informacionais dos mais diversos grupos sociais. Por conseguinte, faz-se importante identificar onde essas bibliotecas se encontram e quem as mantém.

Conforme dito anteriormente, a criação de grande parte das bibliotecas públicas no Brasil aconteceu por iniciativa do poder público. É natural, portanto, o entendimento de que a quantidade de bibliotecas públicas está diretamente atrelada à quantidade de pessoas que habitam cada uma das macrorregiões do Brasil.

Os dados relativos à distribuição geográfica apresentados neste artigo foram obtidos através do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas - o SNBP. Este Sistema reúne informações acerca das bibliotecas públicas municipais e estaduais administradas pelo poder público em todo o território nacional. A partir dos dados disponibilizados no site do SNBP foi possível realizar a coleta dos dados relativos à distribuição territorial das bibliotecas públicas, mantidas por quaisquer esferas do poder público. O último levantamento realizado pelo órgão foi em 2020, o que o torna o dado público mais atualizado acerca da realidade destes equipamentos culturais. Identificou-se que existem 5293 bibliotecas públicas no país, com a seguinte distribuição territorial:

423 bibliotecas públicas na Região Norte, das quais 409 são municipais e 14 são estaduais;
1807 bibliotecas públicas na Região Nordeste, das quais 1789 são municipais, 17 são estaduais e 1 distrital;
498 bibliotecas públicas na Região Centro-Oeste, das quais 469 são municipais, 3 são estaduais, 25 são distritais e 1 é federal;
1274 bibliotecas pública na Região Sudeste, das quais 1266 são municipais, 7 são estaduais e 1 é federal
1291 bibliotecas públicas na Região Sul, das quais 1286 são municipais e 5 são estaduais

O segundo tópico a ser analisado será o percentual de pessoas que se consideram leitoras e a quantidade de livros que elas consomem, em média, todos os anos. Mas, para tanto, primeiramente é necessário definir o que é a leitura. Este termo apresenta uma multiplicidade semântica, que leva em consideração diferentes áreas do conhecimento: educação, antropologia, letras, dentre outras. Afinal de contas, o que é leitura?

2.1 Ler o mundo para modificar a realidade

A leitura tem sido exaustivamente pesquisada nos mais diversos âmbitos acadêmicos, haja vista a sua importância social e antropológica. Muito embora a leitura não possa ser considerada algo biológico - já que os seres humanos não nascem sabendo ler ou escrever, ela é inegavelmente um processo intrinsecamente ligado ao desenvolvimento humano e social.

De uma forma mais pragmática, a leitura é um processo de decodificação de signos, seja de forma léxica ou fonológica:

A decodificação pode ser analisada pelo modelo teórico de dupla rota que explica a leitura de palavras isoladas através de duas vias: a lexical e a fonológica. A primeira permite que na visualização de uma sequência de grafemas aconteça o acesso direto à representação no léxico mental do leitor, sendo a rota usada para a leitura de palavras conhecidas e palavras irregulares, cuja pronúncia não pode ser aferida pela conversão grafofonêmica. Já a via fonológica envolve a conversão grafema-fonema por meio da aplicação de regras e permite a leitura de palavras não familiares, regulares e pseudopalavras (Marchezini et al., 2022)

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, e que há uma relação simbiótica entre a linguagem e a realidade (Freire, 1989; Souza, 2022). Destarte, é possível compreender que a leitura vai muito além do processo de codificação e decodificação de signos e algarismos alfanuméricos, mas também é uma construção social que permite ao indivíduo compreender a sua realidade. É necessário que o indivíduo compreenda o significado e o uso das palavras nos mais diversos contextos, conforme aponta Rebello (2015).

Esta função social da leitura e do desenvolvimento social em relação à cultura aparecem também em outras correntes de pensamento. Soares (2016) diz que por meio do desenvolvimento cultural, é possível consolidar valores que garantem um convívio de forma equilibrada entre os membros de uma determinada região ou grupo social, já que “a criatividade mantém o homem caminhando rumo a um futuro de possibilidades, onde uma ideia bem executada pode mudar a noção que se tem da própria sociedade”. Desta forma, a cultura e a leitura atuam também como atividade pacificadora de parte dos conflitos sociais, propiciando desenvolvimento social e promoção de novas formas de ver e compreender o mundo.

A leitura também é fundamental na reprodução da sociedade capitalista, profundamente marcada pela celeridade da ciência, da técnica e da informação, que ocorre em paralelo com a exclusão daqueles que não lêem ou não escrevem. Nesse sentido, Paim (2013, p.16) diz que a leitura não tem apenas um valor emocional, mas também possui um valor social.

Sendo as bibliotecas públicas um centro de informação, é necessário que se compreenda qual é a finalidade da disponibilização de informação à sociedade. O acesso à essa informação passa necessariamente pela leitura. Há de se compreender que nem todas as informações disponíveis são informações que irão contribuir para o desenvolvimento daquele que as consome. Por este motivo, é necessário que as bibliotecas realizem uma curadoria de fontes de informações fidedignas e de relevância, para que não haja um descolamento da realidade social dos sujeitos. A oferta de informação de qualidade por parte do poder público pode contribuir para o desenvolvimento da sociedade, desde que esta informação seja fidedigna e tenha um propósito social.

Apesar da importância da informação, confirmada pela denominação dada a esta era, e de haver cada vez mais suportes para que ela se propague, o que vemos ainda não é o predomínio dos veículos plurais que pretendem colaborar para o desenvolvimento de leitores e ouvintes críticos e que busquem a reflexão acima de tudo. [...]Não falamos da informação pura e simples, mas ressaltamos a informação que considera a perspectiva cidadã, que se preocupa com a formação de quem é informado [...] (Tristão & Musse, 2013, p. 40)

O consumo de informação nas bibliotecas se dá principalmente por meio da leitura. É possível compreender, portanto, que a leitura tem um papel fundamental na promoção da cidadania, da dignidade humana e do desenvolvimento social como um todo.

Um dos instrumentos utilizados para mapear os hábitos de leitura dos brasileiros é a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, que se constitui atualmente como o maior arrolamento de dados acerca dos hábitos de leitura e consumo de livros, leitura, literatura e bibliotecas.

2.2 Retratos da Leitura no Brasil - o que é, quem aplica

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil é desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro e objetiva a promoção de reflexões através do diagnóstico dos hábitos de leitura dos brasileiros. Desenvolvida com base na metodologia do CERLALC - Centro Regional para o Fomento do Livro na América Latina e o do Caribe, vinculado à UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a pesquisa é realizada periodicamente, com a edição mais recente publicada no ano de 2020, com a coleta dos dados realizada no ano de 2019.

Por meio dessa pesquisa é possível identificar hábitos de leitura, comportamentos do leitor e identificação de perfis com recortes etários, de gênero ou de escolaridade. Neste artigo serão considerados os dados relativos à quantidade de livros lidos por pessoa identificados na edição mais recente. Também serão analisados os dados relativos à percepção pessoal de leitor e não leitor, apontado pelos entrevistados.

Estes dados são importantes para que se compreenda a dinâmica das relações entre os que se consideram leitores - e que potencialmente utilizam as bibliotecas públicas presentes nos territórios, e a influência destes espaços nos hábitos de leitura das comunidades nas quais estão inseridos. Além disso, também busca-se compreender as relações entre o desenvolvimento socioeconômico das macrorregiões e os hábitos de leitura de suas populações, para que se identifique se a quantidade de bibliotecas públicas disponíveis pode influenciar no total de livros que a população consome e, de forma indireta, na promoção do desenvolvimento socioeconômico da região atendida pela biblioteca.

Os indicadores de desenvolvimento socioeconômico são diversos, e dependem da área analisada e de quem produz estes indicadores. Para fins desta pesquisa, utilizar-se-á o IDHM - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, um indicador utilizado de forma internacional para quantificar o desenvolvimento de cada município. Entretanto, é necessário que primeiro se compreenda o que é desenvolvimento.

2.3 Concepções de desenvolvimento e IDHM

Assim como a leitura, as diversas concepções de desenvolvimento variam de acordo com a área do conhecimento que a aborda. O senso comum leva ao entendimento do desenvolvimento enquanto processo de melhoria de algo ou alguém. Siedenberg (2003) fala que à luz das concepções mais otimistas do Iluminismo, o desenvolvimento é associado a algo positivo e otimista: através dele, os sujeitos poderiam moldar o mundo através de suas próprias forças, tornando-o cada vez melhor e aumentando a qualidade de vida destes sujeitos. Com o advento do método científico, foi possível identificar relações de causa e efeito, propor processos e técnicas, o que transformou o significado de desenvolvimento para uma ótica de processo, transformação e movimento.

Com a expansão do capitalismo, a concepção de desenvolvimento passou a ser atrelada ao acúmulo de capital: uma sociedade desenvolvida é necessariamente uma sociedade rica. Entretanto, Santos (2003, p. 30) diz que “o desenvolvimento seria acompanhado pelas transformações das estruturas sociais e mentais”, ou seja, o desenvolvimento não pode ocorrer apenas no meio físico, mas também é necessário um desenvolvimento humano.

Nesse passo, será por meio do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) que o presente artigo evidenciará o desenvolvimento das mais diferentes e diversas comunidades aqui estudadas. O indicador de desenvolvimento humano -IDH, criado em 1990 por Mahbub Haq e Amartya Sen, é um índice gerador de dados importante porque associa indicadores de renda per capita, de educação e longevidade, o que permite evidenciar com maior clareza o bem-estar social, seu déficit ou ausência em determinada região Nova (2006), podendo ainda nesta região, apontar a existência ou não de desigualdade da população local.

Os dados apontados pelo IDH são a chave dos objetivos de desenvolvimento a nível global, enquanto as administrações regionais devem utilizar do mesmo índice como ferramenta indispensável para efetivação e aplicabilidade de políticas públicas municipais na solução de qualquer problemática geradora de desigualdade (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal -IDH-M).

Em síntese, o IDH e o IDHM são índices que vão por meio de indicadores, analisar o desenvolvimento humano, de municípios, de estados e de países, tornando-se ferramentas fundamentais para delinear questões sociais nacionais ou locais (Torres et al., 2003).

3. MATERIAIS E MÉTODOS

O presente trabalho trata-se de pesquisa básica de natureza aplicada e teve como objetivo identificar, localizar e quantificar as Bibliotecas Públicas em cada macrorregião do território nacional, bem como indicadores de leitura per capita e o índice IDHM destas microrregiões. Para melhor abordagem dos dados coletados, foi utilizado o método misto, quantitativo e qualitativo que, segundo Creswell (2010), compreende a combinação das duas formas, proporcionando um estudo mais significativo.

Primeiramente realizou-se uma pesquisa bibliográfica sobre o papel social da leitura, o papel social das bibliotecas e o que significam os indicadores utilizados para representar o desenvolvimento socioeconômico de uma determinada região. Após esta pesquisa, realizou-se a coleta de dados.

Os dados foram coletados a partir de três fontes: da quinta edição pesquisa Retratos da Leitura no Brasil foram retirados os dados referentes aos hábitos de leitura dos brasileiros, como a quantidade de livros lidos por pessoa e o fato de o entrevistado considerar-se ou não como leitor; das informações disponibilizadas no site do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas foram retirados os dados relativos à distribuição geográfica das bibliotecas, e, por fim, os dados relativos ao IDHM das macrorregiões foram retirados do Atlas da Vulnerabilidade Social.

A coleta de dados analisou os dados apresentados no ano de 2020 tanto em relação ao número de bibliotecas, quanto em relação ao IDHM e ao número de livros lidos por pessoa. A natureza dos dados coletados, a extensão de amostra nortearam a pesquisa, com a finalidade de apontar, identificar e quantificar de forma simples e concisa as bibliotecas e a quantidade de livros lidos (GIL, 1999, p. 133).

Por fim, realizou-se, a interpretação dos dados obtidos em um universo mais amplo, em razão do método quantitativo utilizado, indo além dos dados obtidos, para que fosse possível apontar, geograficamente os locais que estão inseridas as bibliotecas, bem como a quantidade de acervo literário lido no período estudado (GIL, 1999, p. 178-179).

A tabela 1 diz respeito à distribuição geográfica das bibliotecas por poder mantenedor, delimitados aqui por Municípios, Estados, União e Distrito Federal. A análise apontou que a maioria absoluta de bibliotecas se encontra na macrorregião nordeste, seguida pela região sul e sudeste, respectivamente. As regiões centro-oeste e norte apresentam a menor quantidade de bibliotecas.

Tabela 1 - Distribuição regional de bibliotecas públicas por mantenedor

Região	Total de Bibliotecas Públicas Municipais	Total de Bibliotecas Públicas Estaduais	Total de Bibliotecas Públicas distritais	Total de Bibliotecas Públicas Federais	Total Geral
Norte	416	14	0	0	423
Sul	1286	5	0	0	1291
Nordeste	1789	17	1	0	1807
Centro-Oeste	469	3	25	1	498
Sudeste	1266	7	0	1	1274

Fonte: Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (2022).

Embora o senso comum faça com que se imagine que a quantidade de equipamentos culturais de uma macrorregião seja diretamente proporcional à quantidade de habitantes daquele território, o quadro aponta que esta proporção não é real e nem coesa, dado que a região nordeste concentra 34,13 % do total de bibliotecas públicas do Brasil, e em torno de 27 % da população total do Brasil, conforme o IPEA.

É possível inferir que a quantidade de bibliotecas nesta macrorregião é devido ao número de municípios - já que o Nordeste possui a maior quantidade total de municípios do Brasil - 1790, distribuídos em 9 unidades federativas. Conforme os dados apresentados, percebe-se que a proporção de bibliotecas por município na região nordeste é de quase 1 biblioteca pública municipal por cidade, o que indica uma alta inserção destes equipamentos culturais em território nordestino.

Já a região norte apresenta, respectivamente, a menor quantidade total de bibliotecas públicas e também de pessoas, concentrando cerca de 8.5% da população total do Brasil e 7,9% do total de bibliotecas, além de ter a menor quantidade de municípios do Brasil - cerca de 450.

A tabela 2 representa a relação entre a quantidade de bibliotecas públicas em cada macrorregião, a quantidade de pessoas que se consideram leitoras (de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil), o IDHM indicado pelo IPEA e quantidade de livros lidos por cada pessoa em um ano, ainda de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Esta tabela objetiva compreender a relação entre a quantidade de bibliotecas disponíveis, o quanto a população consome em relação à leitura e os índices de desenvolvimento humano municipal.

Tabela 2 - Quantidade de bibliotecas públicas x proporção de leitores x IDHM x quantidade de livros lidos per capita

Região	Quantidade total de bibliotecas públicas	Quantidades de leitores %	IDHM 2019	Quantidade de livros lidos / ano per capita
Norte	423	63%	0.734	5,3
Sul	1291	58%	0.805	5,9
Nordeste	1807	48%	0.727	4,3
Centro-Oeste	498	46%	0.800	5,3
Sudeste	1274	51%	0.822	4,9

Fonte dos dados: IPEA e Retratos da Leitura no Brasil

A partir da análise da tabela acima, percebe-se que não há uma relação direta entre a quantidade de bibliotecas públicas presentes no território, a quantidade de leitores neste espaço e o IDHM apresentado pela região. Embora a análise dos dados de forma direta pode influenciar uma leitura errônea do papel das bibliotecas públicas, é preciso compreender alguns fatores que levam à esses números.

Milanesi (2013) indica que durante muitos anos as bibliotecas públicas sofreram com a falta de investimentos em acervos, em equipamentos e com a falta de recursos humanos capacitados para a execução das atividades desenvolvidas. O autor indica, inclusive, que muitas das bibliotecas tornaram-se verdadeiros cemitérios de obras mortas, haja vista que os acervos se tornaram irrelevantes e defasados. Outro ponto importante é que, durante muito tempo, os acervos sofreram restrições de acesso por conta da dificuldade de reposição dos itens. Desta forma, a proibição de circulação de materiais também contribuiu para que o papel social das bibliotecas não fosse plenamente exercido.

4. RESULTADOS

Muitos fatores levam a acreditar que há uma correspondência direta entre o número de bibliotecas e a identificação e percepção do público enquanto leitores: seria óbvio que a quantidade de bibliotecas influencia diretamente nos hábitos de leitura das comunidades nas quais estão inseridas. Entretanto, percebe-se que essa correlação não é palpável, já que uma das regiões que possuem a menor quantidade de bibliotecas é a que possui maior percentil de leitores em relação à população total.

Outro ponto a ser destacado é que a quantidade de pessoas que se identificam como leitoras não necessariamente reflete na quantidade de livros que essas pessoas lêem: como pode ser observado na tabela acima, esta proporção não ocorre, já que a região norte concentra a maior quantidade de pessoas que se consideram leitoras, embora tenha a menor quantidade total de bibliotecas. Já a região sul possui a maior média de livros lidos, embora não tenha a maior quantidade de bibliotecas e nem o maior IDHM.

Também não há correlação direta entre a quantidade de livros lidos por pessoa e o IDHM da região em que elas se encontram. A construção social da imagem de que uma população que consome mais livros é, necessariamente, uma sociedade mais culta e mais desenvolvida, não se manifesta por meio dos dados coletados. Entretanto, é necessário compreender de qual tipo de desenvolvimento que se busca: o desenvolvimento meramente atrelado ao capital não necessariamente proporciona um desenvolvimento humano e social.

Uma das explicações possíveis para este fenômeno é o fato de que o Brasil, historicamente, possui uma grande desigualdade social entre as camadas mais abastadas da população e as comunidades mais pobres, o que se reflete também na distribuição territorial do país: os estados que fazem parte das regiões sudeste e su há muito possuem indicadores melhores do que as regiões norte e nordeste, como é possível visualizar nos dados obtidos através do IPEA. Os investimentos públicos nem sempre acompanham as necessidades das comunidades, fazendo com que o Brasil tenha regiões historicamente marginalizadas - Norte e Nordeste, ditas como subdesenvolvidas, e regiões que possuem maiores aportes financeiros, maior estrutura econômica e urbana e, por consequência, maior acesso aos serviços e estruturas públicas que proporcionam maior qualidade de vida.

Com o crescente desfinanciamento e retirada de recursos das políticas públicas voltadas à promoção da qualidade de vida e melhora dos indicadores sociais - em especial da cultura - fomentados pelas políticas neoliberais implementadas nos últimos anos no país, é inevitável que o fosso social entre as camadas mais abastadas da população e os menos privilegiados se aprofunde. A qualificação dos espaços públicos que proporcionem acesso à novas realidades, novas tecnologias e novas perspectivas de ver o mundo propiciam novas possibilidades aos sujeitos.

O Brasil é um país de dimensões continentais e que reflete sua extensão na desigualdade de distribuição de renda e no desenvolvimento das suas regiões. As diversas tentativas de promoção do desenvolvimento social vão desde o fomento às políticas públicas até a inserção dos indivíduos no processo de construção da sociedade. Uma das ferramentas indispensáveis a este processo é a cultura - representada neste trabalho por meio das bibliotecas públicas.

Estes espaços vão muito além da disponibilização de livros e de revistas, mas também se constituem como locais de promoção da cidadania e de emancipação, haja vista que seu principal insumo - a informação - é uma das ferramentas imprescindíveis a este processo. O papel da leitura enquanto instrumento de autonomia e soberania individual é tão importante quanto a disponibilização da informação, já que um depende do outro e se correlacionam de forma direta. Apesar de a informação se apresentar de diversas formas, é a palavra escrita que dita o ritmo de nossa sociedade grafocêntrica e que se manifesta primordialmente através dela.

O uso que se faz da informação e da leitura como um todo é sujeito às dinâmicas de força e poder que moldam a sociedade, pois conforme aponta Santos (2013), a pobreza e o desenvolvimento não se materializam apenas na forma de capital, mas também no modo de vida da população, na possibilidade de transcender a sua realidade e de modificar o seu entorno.

Em uma sociedade que cada vez mais discute temáticas como fakenews, a distribuição de informação de qualidade e seu acesso também são indicativos de poder ou da falta dele. Ao referir-se à chamada Sociedade da Informação, Suaiden (2000) afirma que, cada vez mais, a informação será poder e o poder se manifestará por meio da informação. Estas dinâmicas complexas aprofundam o processo de inclusão /exclusão social, pois quem não tem acesso à informação de qualidade também não será capaz de compreender a realidade que o cerca e tampouco modificá-la.

O espaço físico é parte indissolúvel deste processo, pois é nele que se distribuem os equipamentos culturais que propiciam o acesso à informação e a leitura como um todo. A promoção destas atividades e a compreensão do papel social das bibliotecas é indispensável na construção das políticas públicas para gerir e dinamizar estes locais.

Com base nos dados obtidos, observa-se que a quantidade de bibliotecas nas regiões brasileiras é diretamente proporcional à quantidade de municípios, muito embora não seja em relação à população total dessas regiões. Recentemente, os dados obtidos por meio do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas apontam uma redução de cerca de 800 bibliotecas públicas no país entre os anos de 2015 e 2020 -principalmente entre os estados de Minas Gerais e de São Paulo. A falta de investimentos nestes espaços por parte do poder público pode agravar ainda mais a desigualdade social e o acesso à informação e à literatura como um todo. Conforme Arretche (2015, p. 218) o acesso à bens e serviços influencia diretamente na geração de riqueza e a um potencial desenvolvimento econômico local.

5. CONCLUSÕES

Compreende-se que o acesso à informação passa necessariamente pela leitura, já que a maior parte das informações que se encontram disponíveis estão registradas por meio da palavra escrita. Para a obtenção desta informação registrada é necessário que se faça uso da leitura - compreendida aqui como além da codificação e decodificação de signos, mas como a compreensão da sua realidade e a possibilidade de inferências nela, com base naquilo o sujeito compreende enquanto leitura e enquanto sociedade. Uma das formas de se avaliar a leitura de uma comunidade vem sendo desenvolvida pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil que, muito embora avalie exclusivamente o consumo de livros e o acesso às bibliotecas, fornece um bom panorama social da situação da comunidade leitora em nosso país.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que a quantidade de pessoas que se identificam como leitores não necessariamente reflete na quantidade de livros consumidos por estes leitores, fato este que é deveras interessante. Há de se presumir que uma quantidade maior de leitores em um determinado território influenciaria diretamente na quantidade de livros que esta população consome. Entretanto, os dados obtidos não apontam essa relação.

Essa compreensão do comportamento dos usuários e da configuração do grupo de leitores deve balizar a promoção de produtos e serviços ofertados pelas bibliotecas públicas, já que essa oferta deve ser de forma a prover insumos informacionais que propiciem a cidadania e a possibilidade de ascensão social. Desta forma, as bibliotecas públicas terão um papel cada vez maior na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

6. REFERENCIAS

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DECLARATION OF CONTRIBUTIONS TO THE ARTICLE - CREdiT

ROLE	DGevehr	CSilva	RBatista
Conceptualization – Ideas; formulation or evolution of overarching research goals and aims.	X
Data curation – Management activities to annotate (produce metadata), scrub data and maintain research data (including software code, where it is necessary for interpreting the data itself) for initial use and later re-use.	X	X	X
Formal analysis – Application of statistical, mathematical, computational, or other formal techniques to analyze or synthesize study data.	X	X	X
Funding acquisition - Acquisition of the financial support for the project leading to this publication.	X	X	X
Investigation – Conducting a research and investigation process, specifically performing the experiments, or data/evidence collection.	X	X	X
Methodology – Development or design of methodology; creation of models.	X	X	X
Project administration – Management and coordination responsibility for the research activity planning and execution.	X	X	X
Resources – Provision of study materials, reagents, materials, patients, laboratory samples, animals, instrumentation, computing resources, or other analysis tools.	X	X	X
Software – Programming, software development; designing computer programs; implementation of the computer code and supporting algorithms; testing of existing code components.		X	X
Supervision – Oversight and leadership responsibility for the research activity planning and execution, including mentorship external to the core team.	X
Validation – Verification, whether as a part of the activity or separate, of the overall replication/reproducibility of results/experiments and other research outputs.	X	X	X
Visualization – Preparation, creation and/or presentation of the published work, specifically visualization/data presentation.	X	X	X
Writing – original draft – Preparation, creation and/or presentation of the published work, specifically writing the initial draft (including substantive translation).		X	X
Writing – review & editing – Preparation, creation and/or presentation of the published work by those from the original research group, specifically critical review, commentary or revision – including pre- or post-publication stages.	X	X	X